De nada adianta ficar-se de fora
A hora do sim é o descuido do não
Sei lá, sei lá, só sei que é preciso paixão
Sei lá, sei lá, a vida tem sempre razão
Esse é um trecho de uma das minhas músicas favoritas da parceria Toquinho & Vinícius. “Sei lá, a vida tem sempre razão…” fala sobre a imprevisibilidade da vida, os fins e os novos começos e a dificuldade de entender os rumos da vida, desde a tragédia até a felicidade. Quem quiser conhecer mais, esse texto fala dessa música (além de outras do Vinícius de Moraes) num viés nietzscheano. Enfim, quero comentar sobre dois filmes que assisti recentemente que me lembraram muito dessa música: April Story, filme japonês do diretor Shunji Iwai, e Lost and Found, filme chinês do diretor Lee Chi-Ngai.
Esse texto contém spoilers.
April Story

April Story é um filme aconchegante. Não digo isso no sentido do termo inglês comfort-movie, mas sim no quão bem o filme consegue incluir o espectador na vida da protagonista. O filme trata uma história simples: Nireno (Tatako Matsu), a protagonista, se muda de sua cidade natal para estudar na universidade Musashino em Tókio. Ao chegar lá, ela é questionada sobre os motivos de ter escolhido estudar naquela universidade, fica envergonhada, e dá uma desculpa qualquer.
A partir daí, o filme começa a mostrar várias sequências intimistas e encantadoras de uma jovem descobrindo um novo mundo. Tanto a universidade é nova para ela, quanto a própria cidade e algumas experiências de sua vida. Sim, é um filme que algumas pessoas considerariam que não vai para lugar nenhum. Mas não gosto dessa expressão, a magia desse filme vem justamente de acompanhar a vida de Nireno. A vida não tem uma direção, não tem uma história pronta, ou um caminho a ser seguido. Estamos descobrindo o caminho da vida junto com a protagonista.
Lá, Nireno frequenta um clube de pesca, conhece pessoas novas, vai ao cinema, compra novos livros, conhece seus vizinhos, faz comida demais sem querer (quem nunca). Muitas vezes, a câmera é posta em proximidade com a protagonista e nós sentimos o seu desconforto, o seu maravilhamento, as suas sensações. Uma das cenas que me chamou a atenção é quando ela vai para a livraria e o caixa da livraria começa a chegar perto dela. Toda vez que ele tenta chegar mais perto, a câmera corta para um plano com a Nireno em foco, com a garota cada vez mais perto da câmera. Seu espaço está sendo invadido, e a câmera representa isso:

Depois disso, finalmente descobrimos o motivo de ela ter escolhido a universidade Musashino. Ela tinha um amor platônico na escola, com um menino mais velho que foi estudar em Tókio. A garota tinha lido o livro “Musashino”, e descobriu que ele trabalhava em uma livraria chamada “Musashino-do”. O nome “Musashino” lembrava bastante dele, ela sentia quase como se fosse um chamado. Eu senti que essa era uma das partes mais lindas do filme, justamente pela ênfase nos sentimentos e emoções. Enquanto outros estudantes davam motivos para entrar na universidade Musashino, para Nireno não era algo racional. Era algo que ela sentia que deveria fazer.
Essa é a parte que eu mais gostei do filme, o quanto o filme foca nas emoções e sensações da protagonista. Nem tudo precisa ter uma explicação, a vida não tem uma explicação para tudo, as coisas acontecem, às vezes, só porque sim. A timidez da protagonista toma foco bastante dessas emoções, muitas vezes temos conversas adoráveis por conta disso.
Lost and Found

Estou incluindo o filme Lost and Found nesse texto pois acho que ele aborda temas em comum com April Story. O filme conta a história de Chai Lam (Kelly Chen), uma mulher que foi diagnosticada com leucemia, e tem uma grande chance de morte. Apesar disso, ela tenta continuar sua vida como se nada estivesse acontecendo. Ela entra na empresa do pai dela em Hong Kong, uma empresa que trabalha com navios, e lá conhece Ted (Michael Wong), um descendente de chineses e escocêses que sonha em voltar para a terra dos seus antepassados. Chai Lam se encanta com o Ted, e logo eles se aproximam e ela se apaixona, pesquisando tudo sobre as suas origens. Porém, um dia ele some.
Daí, a jovem tenta de tudo para encontrá-lo de novo. Ela conhece o Aquela Minhoca (Takeshi Kaneshiro), dono da empresa “Lost & Found Company”, que diz ser capaz de encontrar qualquer coisa. A partir disso, a história se desenrola.

Da mesma maneira que a protagonista, uma mulher que se vê perdida frente ao seu diagnóstico de leucemia, o filme também assume essa posição de estar sem um caminho próprio. Mais ou menos na metade do filme, o Aquela Minhoca encontra o Ted, e eles descobrem que um dos membros de sua família falecera e ele iria voltar para a Escócia para tocar os seus negócios e ele até convida Chai Lam para viajar e morar junto com ele. Muitos esperariam que isso fosse o desfecho, mas a história está longe de acabar.
Na tentativa de reencontrar com seu antigo amor, a protagonista descobre um novo sentimento. Ela, que antes se encontrava apaixonada por Ted, se aproxima cada vez mais do Aquela Minhoca. Lam resolve adiar sua viagem, e passa mais tempo em Hong Kong procurando outros casos de pessoas desaparecidas. Lost and Found não é apenas sobre encontrar outras pessoas, mas também sobre encontrar-se a si mesmo. A empresa Lost & Found é apenas uma desculpa para escapar da solidão contemporânea, uma forma de se conectar com novas pessoas. E a segunda metade do filme é especialmente sobre isso.
Assim como April Story, Lost and Found mostra como nem sempre sabemos os rumos da vida. Não conseguimos racionalizar tudo, prever o que vem depois, nem entender o por que que algumas coisas acontecem. São dois filmes que tratam de romances, encontros e desencontros de uma forma mais natural, seguindo o fluxo das protagonistas, e não algum roteiro engessado.
Conclusão
Espero que tenham gostado do texto e tenham se interessado pelos filmes. Eu também recomendaria alguns outros filmes que seguem essa temática, como Amantes do Rio e Amores Expressos, esse último sendo bem mais famoso.
Última modificação em 2025-08-19