Introdução
Meu contato com software livre foi de grande importância para moldar a pessoa que eu sou hoje e também me incentivar a fazer computação. Então, seria óbvio que eu falaria sobre software livre nesse blog e quero começar escrevendo um pouco sobre minha história e também explicar um pouco sobre esses softwares.
O que é software livre?
Talvez você não saiba o que é software livre, portanto vou começar com uma breve explicação sobre o assunto. Todo computador é composto por hardware que é a parte física do computador: processador, disco rígido, memória RAM etc, enquanto que software são os programas que o computador executa: o navegador, um jogo, o bloco de notas etc.
Todo software está em um formato chamado binário: uma sequência de 0s e 1s. O hardware do computador consegue decodificar e ler esse formato com uma incrível eficiência, todavia esse formato é de grande dificuldade de leitura para seres humanos. No desenvolvimento da computação, foram criadas linguagens de alto nível, que são linguagens baseadas nas linguagens humanas, geralmente o inglês, utilizadas para desenvolver programas. Como o computador não consegue ler programas desenvolvidos nessas linguagens, foram criados os compiladores, programas que transformam o código de uma linguagem de alto nível em código binário.
Chamamos esse código escrito em uma linguagem de alto nível de código-fonte. Com o acesso ao código-fonte, é trivial fazer adições ou modificações ao software, pois o software está escrito em uma linguagem compreensível por seres humanos. Enquanto que fazer modificações em um programa apenas com seu código binário, ou código de máquina, é bastante complicado e exige conhecimento avançado do hardware e de engenharia reversa.
Por exemplo, o Adobe Photoshop é um programa que apenas a Adobe tem o código-fonte do software. Portanto, apenas ela consegue fazer modificações, corrigir bugs do software facilmente.
O movimento de software livre foi um movimento que surgiu com o objetivo de incentar o desenvolvimento e uso de softwares que tivessem seu código aberto, ou seja, de que o seu código-fonte fosse distribuído para a leitura, estudo e modificação junto com o binário do software. O software livre deve seguir as seguintes liberdades:
- A liberdade de executar o programa como você desejar, para qualquer propósito.
- A liberdade de estudar como o programa funciona, e adápta-lo às suas necessidades.
- A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar os outros.
- A liberdade de distribuir cópias de suas versões modificadas a outros.
Para que essas liberdades sejam garantidas, foram criadas licenças de software, ou seja, termos de uso que definem como o software e seu código-fonte devem ser distribuídos. A principal licença de software livre é a licença pública geral GNU, também chamada de GNU GPL. Há outras licenças como a licença MIT e a licença BSD.
Minha história com software livre
Quando eu era pequeno, eu utilizava um computador com Windows XP/7 e, para mim, aquilo era sistema operacional. Porém, toda vez que eu viajava e pedia para usar o notebook do meu pai, eu não sabia como utilizar aquilo. Era uma interface estranha, não parecia nem um pouco com o Windows e também não tinha nenhum dos joguinhos que eu gostava. Esse sistema era o Ubuntu:
Ubuntu com a interface Unity. Infelizmente, ela não é mais usada.
O Ubuntu é uma distribuição GNU/Linux que foi responsável por uma grande popularização do Linux entre usuários comuns, principalmente por uma fácil instalação do sistema, de drivers e de programas, além de manter alta compatibilidade com vários computadores. Agora vamos por partes.
Linux é, sem dúvidas, o projeto de software livre de maior sucesso, tanto pelo seu tamanho quanto pela seu amplo uso. Linux é um kernel, basicamente um “motor” do sistema operacional, que é responsável por suas tarefas de baixo nível: gerenciamento de drivers, de memória, de disco, de programas etc.
Distribuições GNU/Linux são sistemas operacionais que utilizam ferramentas do projeto GNU, um projeto que visava criar um sistema operacional Unix totalmente livre, em junção com o kernel Linux. Unix era um sistema operacional dos anos 70 desenvolvido pela empresa americana Bell Labs que serviu de base para muitos sistemas operacionais até hoje.
Bem, esse primeiro contato não me chamou muita atenção, mas causou uma certa impressão em mim, principalmente por descobrir que existiam alternativas ao Windows, porque na minha cabeça Windows e computador eram meio que a mesma coisa.
Comecei a me interessar quando meu pai começou a me explicar o que era software livre: a explicação foi semelhante a que eu dei aqui no tópico anterior, porém um pouco mais simples pois eu era uma criança. Achei um pouco mágico várias pessoas ao redor do mundo contribuindo para um desenvolvimento de software que várias pessoas utilizavam, sem sequer se conhecerem pessoalmente ou algum incentivo econômico, apenas por livre e espontânea vontade.
O segundo grande marco na minha vida em relação ao software livre foi quando meu pai me levou a um evento chamado Software Freedom Day, um evento que é organizado mundialmente em vários locais, e a faculdade que ele trabalhava também estava organizando esse evento.
Lá, eu participei de um minicurso de Blender, um software livre de animação que também é de enorme sucesso, que é amplamente usado na indústria. Eu gostava bastante de animação e, na época, eu brincava bastante com o Adobe Flash e me interessava um pouco por animação 3d. Não avancei muito na época, fiz algumas animações básicas, mas também foi um marco para meu uso de software livre.
Modelagem no Blender.
Eu realmente comecei a me envolver com software livre quando comecei a programar. Comecei a programar em C acho que por volta de 13 anos, porque tinha um sonho de fazer um jogo, mais especificamente uma game engine do zero. A maioria das ferramentas utilizadas para programação são software livre, como o compilador de C mais utilizado, o gcc, entre outras ferramentas.
E lembra do Unix que eu falei lá cedo? A maioria dessas ferramentas de desenvolvimento são baseadas em ferramentas do Unix, ou seja, elas se dão muito melhor e são bem mais fáceis de serem utilizadas e configuradas em ambientes Unix. E sabe qual é o ambiente Unix moderno e totalmente livre? As distribuições GNU/Linux! O próprio projeto GNU surgiu com esse intuito: criar um clone do Unix 100% livre.
Foi aí que pedi para meu pai instalar Ubuntu no meu computador, pois era a distribuição mais famosa para iniciantes na época, por motivos que já expliquei anteriormente. Comecei a ter contatos com a linha de comando, que é uma interface de texto que era utilizada em computadores antigamente, mas foi gradualmente substituída pela interface gráfica moderna. A linha de comando permite um uso mais profundo do computador, que geralmente a interface gráfica não permite.
Eu também comecei a trocar alguns programas que eu utilizava por alternativas software livre. Por exemplo, eu utilizava o Photoshop bastante, eu gostava muito de design, e eu troquei pelo Gimp, que é um programa de manipulação de imagens do projeto GNU. Bastante gente fala mal dele, mas eu me acostumei e hoje em dia consigo usá-lo tão bem quanto o Photoshop. Também troquei o pacote Office pelo LibreOffice, embora raramente o uso hoje em dia.
Passei vários problemas nesses anos iniciais de Linux, principalmente porque eu insistia em usar a linha de comando e como consequência quebrava o meu sistema operacional inteiro e tinha que formatar. Sem dúvidas foi algo que me deu aprendizado, mas não diria que é necessário para um usuário comum.
Um desses problemas que passei foi com jogos: quando eu comecei a usar o Ubuntu, não havia uma compatibilidade tão boa de jogos. O Wine, ferramenta que permite executar aplicativos de Windows no Linux, não era tão bom e nem havia o Proton da Valve. Por causa disso, até hoje uso dual boot no meu computador: tenho o Linux para minhas atividades diárias de computador e o Windows como meu sistema exclusivo para jogos. Hoje em dia, as distribuições Linux conseguem rodar muitos jogos, com o próprio Steam Deck da Valve rodando uma distribuição Linux.
Na pandemia, comecei a me aprofundar bastante no uso do Linux. Aprendi a escrever em shell script, que é a linguagem que a linha de comando das distribuições Linux utilizam, que é algo bastante poderoso, pois você pode unir vários programas para fazer um só.
Sobre navegadores, o navegador mais famoso software livre também é um dos projetos de maiores sucesso do gênero: o Mozilla Firefox. Infelizmente, o navegador perdeu muito mercado para outros navegadores baseados em Chromium, o que é péssimo por sinal porque só reinforça o monopólio da Google sobre a web. Tenho minhas críticas à Mozilla Foundation, mas continuo usando o Firefox como meu navegador padrão.
Também aprendi a usar o Vim, um editor de texto livre baseado no Vi, um dos softwares padrão do Unix. Vim, um editor de texto poderoso, é altamente configurável e também permite a edição de texto bem eficiente sem o uso de mouse. Ele funciona com base em comandos de edição e de navegação que você pode juntá-los a fim de aumentar sua eficiência. Já escrevi um pouco sobre ele aqui no blog. Atualmente, uso o neovim, uma versão do Vim que é mais moderna, mais configurável e com suporte a Lua. O Vim é um editor de texto que não consigo mais viver sem, o fato dele permitir editar texto sem utilizar mouse é uma grande vantagem. Sempre que sou forçado a usar o VS Code, eu baixo um plugin para imitar os comportamentos do Vim.

Hoje em dia, uso o Debian, uma distribuição GNU/Linux que é a base do Ubuntu e é bastante estável. Também uso o ambiente de desktop GNOME, que era do projeto GNU, e gosto dele por ser bastante simples e minimalista.

Essa é uma das grandes vantagens do software livre: como o código-fonte é aberto e qualquer um pode modificar e distribuir, existem muitas distribuições e ambientes gráficos que você pode escolher. Se você não gostou de uma interface gráfica, você pode tranquilamente instalar outra e customizá-la até que você goste dela. Você não é preso a atualizações arbitrárias de uma empresa, como acontece com o Windows. Por exemplo, o ambiente MATE é baseado numa versão anterior do GNOME, pois muitas pessoas não gostaram da mudança do GNOME 2 para o GNOME 3. Dessa forma, as pessoas que gostavam dessa interface podem continuar a usando, o que não é possível com o Windows ou outros sistemas proprietários.

Na pandemia, meu notebook estava bem ruinzinho e estava com péssimo desempenho tanto no Windows 10 quanto no Debian com o GNOME. Graças à liberdade do software livre, comecei a usar o XFCE como meu ambiente gráfico, que é bem mais leve que o GNOME. Como consequência, meu notebook ficou muito mais rápido e muito mais agradável de se utilizar.
Ambiente XFCE padrão. Não é muito bonito, mas é possível customizá-lo.
Conclusão
Eu gosto bastante de software livre, das possibilidades que ele me permite e o poder de controle e customização sobre meu próprio computador. Sem dúvidas, o contato que eu tive com software livre na infância e na adolescência foi responsável por eu estar fazendo Ciências da Computação hoje em dia.
Tenho algumas críticas, como essa ideia de liberdade um pouco abstrata, vinda do libertarianismo americano, mas ainda acho que é o melhor que temos dentro do próprio capitalismo, ainda mais quando estamos caminhando para perder o controle sobre o nosso próprio computador. Recentemente, tivemos a Microsoft fazendo milhares de computadores virarem lixo eletrônico e forçando o uso de IA no Windows 11, que são formas de forçar os usuários a seguirem as normas da Microsoft, que seriam facilmente evitadas com o uso de software livre.
Também tenho críticas às pessoas que acham que software livre seria uma salvação para a falta de soberania digital no Brasil. Mas isso é um assunto para outro post.
Última modificação em 2025-09-02